O Poço, o que ele critica?

Olha, vai ter spoiler.

 Primeiramente devo dizer que "O Poço" tem as melhores cenas de luta que vi na vida.
 Essa publicação não será exatamente sobre história, que é a minha área, e não sou crítico, nem sou cineasta, mas acho que tenho algumas informações interessantes que podem colaborar na análise desse filme que fez tanto sucesso nos últimos meses.
 Primeiro acho justo dizer que não achei o filme tudo isso. Ouvi muitos amigos meus dizendo sobre uma crítica fantástica ao sistema econômico atual e não sei o quê, porém o que o filme quer realmente trazer com isso? Quero dizer, a crítica é óbvia, como diria aquele velho do filme, então o meu medo não é das pessoas discordarem com a mensagem que o filme passa, mas o meu medo é, sim, se há pessoas que não compreenderam a crítica que é totalmente explícita na maior parte do filme.
 Porém ao mesmo tempo que tem essa crítica explícita no filme, ele não declara partido de nada, ou seja, qual o discurso do filme? O que ele quer dizer com isso? Tá, ele representou que está tudo ruim, porém o que ele traz para mudar  situação?
 Enfim, vamos ao que importa né.

Existem três tipos de pessoas, as de cima, as de baixo, e as que caem.

 Eu creio que essa frase, dita logo no começo, representa bem a crítica que todas as pessoas viram. Visto que o problema do sistema capitalismo é o acúmulo louco do capital na mão de poucas pessoas, sendo que a grande maioria, representada no filme à partir do andar 51, até o 333, não tem quase nada. Uma vez vi um pequeno documentário na Netflix chamado "Explicando" sobre bilionários, e dizia que se pegassem as pessoas mais ricas do mundo, que representam muito menos de 1% da população mundial, e jogassem todas numa ilha, formaria o oitavo país mais rico do mundo.
 Gente, agora parem e pensem bem. Estou me licenciando em história, e não sou muito bom em contas, mas a China representa 18% da população mundial, sendo o país mais populoso do mundo, e ela não entra na lista dos oito países mais ricos do mundo (lembrando que isso é analisando o PiB per capita). Agora um país hipotético com muito menos de 1% da população mundial, alcança essa posição, vocês não concordam que é algo absurdo? Pensando que existem países extremamente populosos que estão no mapa da fome e a maioria é miserável. O dinheiro destas pessoas estão nas mãos dessa parcela minúscula. Mas enfim, para finalizar devo dizer que o capitalismo é um sistema incerto, uma hora você pode se banhar com seus milhões, até chegar a falência, até a inflação subir, até a bolsa de valores quebrar de novo, compreenderam? Continuando então.

O Poço critica exatamente o quê?

 Bom, a crítica ao sistema capitalista está já definida então, porém teve algo que me incomodou a maior parte do filme. O personagem principal logo no começo é chamado de comunista, e ele não afirma que é, porém também não nega. E assim como o roteiro do filme, não toma partido de nada. Ok que ele disse que o capitalismo é ruim, porém o personagem identificado como a representação do comunismo entra em conflito com seus ideais em diversas partes da obra, e em um certo ponto ele chega até mesmo dizer que não acredita na solidariedade da humanidade. Inclusive teve uma pequena parte que eu achei interessante, onde a moça do cachorro (vocês perceberam que eu não guardo muitos nomes) tenta convencer os dois do nível abaixo que devem dividir apenas o necessário para a sobrevivência (deixando claro que o comunismo também não é isso rs), porém eles querem aproveitar que estão no topo e esbanjar a comida. Então o protagonista os ameaça a fazer isso se não cagará em todos os pratos, nessa dualidade de discursos o filme mostra duas formas de revoltas, uma mais pacífica, e outra, que como podemos observar no final do filme, a revolta armada, para uma mudança direta, a tal da "solidariedade espontânea".
 Além disso, me incomodou o fato de, o filme tentar trazer uma crítica tanto política como social, e criar um personagem negro extremamente estereotipado, sendo um personagem violento, psicologicamente fraco, e estar apenas como uma representação básica de racismo, no momento em que o casal que estava no andar de cima diz que "a vida eterna é uma recompensa razoável por ajudar um negro". Eu acho extremamente importante o filme retratar o racismo de uma forma explicitamente cruel como ele de fato é, e como foi representado. Porém talvez ele tenha pecado na forma de ter aderido o personagem na história. Mas isso é só um pensamento a mais que tive.

Livro x Arma

O protagonista é considerado louco por ter levado um livro para O Poço, sendo que normalmente todos levam armas para sua sobrevivência, porém é justamente o homem que levou o livro que reverteu todo o sistema do Poço, levando "a mensagem", que seria aquela criança sinistra, para a Administração. Enquanto todos os armados apenas se preocupavam em sobreviver o tempo que for necessário, reclamando da vivência dentro do lugar, porém sem algum espírito de querer revolucionar, já o homem com o livro se preocupou com a mudança.
O debate Livro x Arma esteve muito presente nos últimos anos, principalmente no período eleitoral, eu não vou comentar sobre esse assunto, vou deixar na responsabilidade do senso crítico do leitor enxergar a questão óbvia mostrada aqui.

A Revolução, e o ponto que quero chegar.

Outra coisa que eu imagino que deve ter ficado bem explícita no filme, e que também já citei antes, o momento em que o protagonista e Baharat descem para de fato repartir os alimentos igualmente a todos, representa a ideia revolucionária contra o sistema capitalista. É válido pensar que quando eles começam o plano estavam no sexto andar, ou seja, estavam privilegiados, e conforme descem as camadas do Poço, ou da sociedade, percebem a natureza do capitalismo selvagem, que atacou fortemente os não-privilegiados, trazendo de volta o instinto de sobrevivência, isso deixa a dupla indignada. Porém aquele papo de o protagonista ser Messias, O Salvador, foi uma boa forma de explicar o porquê deles continuarem aquele plano "loucos em êxtase".
Não posso negar que a ideia do Poço é genial. A Administração representar, imagino eu, as enormes Multinacionais, e a mulher do cachorro que fazia parte da ADM errar o número (ela disse que tinha 200, mas tinha mais de 300) de andares, realmente mostra como a elite sequer sabe o sofrimento que a classe mais baixa passa diariamente, ou o fato também dela não saber que havia uma criança menor de 16 anos passando por aquilo, e sabe, tipo, no Oriente Médio existem relatos de orfanatos bombardeados por conta da guerra civil de Israel x Palestina, os problemas sociais atualmente envolvem crianças também sabe.. Porém como eu disse, entender isso não é mérito, é o mínimo.
Mas também não posso deixar de lado o fato de que esse filme poderia ter sido muito mais explorado. Claramente seria um filme que alcançaria diversas pessoas, tipo, é um filme do maior sistema de Streaming do mundo. E eu creio que seja crucial que uma obra como essa, deva sim tomar partido, deva sim ter uma posição estabelecida, pois como já foi dito por diversos intelectuais, ficar em cima do muro é favorecer o lado que está ganhando, que normalmente é o lado do opressor.
Enfim, não quero prolongar muito mais, porém poderia passar muito tempo escrevendo aqui sobre diversas análises que tive em várias falas durante o decorrer do filme, mas a conclusão que quero chegar, é que O Poço é um ótimo filme para as pessoas que estão ainda de olhos fechados os abrirem. Entretanto tem um ponto, que não foi exatamente mostrado no filme, que não podemos deixar passar: riqueza e pobreza são opostos, logo um existe à partir do outro, e para que combatemos a pobreza, devemos destruir a riqueza.