Belo Monte e Brumadinho: dois extremos que se tocam
A Usina Hidrelétrica de Belo Monte é a maior usina 100% brasileira e a terceira maior do mundo em potência, segundo a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). Localizada na cidade de Altamira (PA) sua capacidade chega a 11.233 MW. Nesse sentido, percebemos que as usinas hidrelétricas são frequentemente relacionadas à produção de energia sustentável. Entretanto, elas também possuem pontos negativos que devem ser minunciosamente analisados.
Meninos sobem em uma árvore no meio da inundação pelo rio Xingu em 2014. Hoje, um terço da cidade de Altamira foi permanente alagado pela usina de Belo Monte, que desalojou mais de 20 mil pessoas, destruindo comunidades indígenas e ribeirinhas tradicionais. Os efeitos foram tão graves que a Norte Energia, empresa responsável pela usina, foi obrigada a realizar um estudo de seis anos para medir os impactos ambientais e sociais de Belo Monte para determinar se comunidades indígenas e de pescadores podem continuar vivendo a jusante da barragem. Foto: Aaron Vincent Elkaim/The Alexia Foundation
Primeiramente, podemos observar que o grande afluxo de pessoas, sejam os trabalhadores, sejam pessoas atraídas para a obra de maneira geral, pressionam ainda mais os serviços públicos locais, principalmente a saúde, despreparada para lidar com o aumento da demanda de serviços, bem como a mobilidade urbana, principalmente no que diz respeito à circulação de veículos na malha rodoviária na cidade de Altamira, aumentando indicadores de acidentes e emitindo mais gases poluentes na atmosfera regional, decorrentes da queima dos combustíveis fósseis que abastecem os veículos. Além disso, a atividade pesqueira também é fortemente influenciada tendo em vista que a quantidade de oxigênio presente nas águas da grande represa onde localiza-se a usina foi drasticamente diminuída, o que implicou a morte de diversas espécies do ecossistema, provocando, dessa forma, uma perda à biodiversidade local. Ademais, o desmatamento da área contribui para o aumento das emissões de CO2 na atmosfera e, portanto, do aquecimento global.
Problemas relacionados à má alimentação, o aumento do número de mortes de crianças por desnutrição e diarreia e o crescimento de casos de alcoolismo e depressão dentre os indígenas nativos da região também são alarmantes devido ao deslocamento destes e de diversas famílias, uma vez que tiveram que abdicar de forma involuntária de seus costumes, tradições, hábitos alimentares e atividades diárias para ceder a uma nova realidade completamente diferente, acarretando uma perda cultural gigantesca. É desfazer vínculos socioculturais fortemente ligados a uma herança afetiva e familiar do local, sem contar, é claro, os danos ambientais, ocasionados pelo alagamento das áreas ao redor da represa e perda de espécies nativas.
Contudo, ainda existem pontos positivos a serem observados e destacados. Um dos benefícios é, sem dúvida, a geração de empregos durante e após a fase de construção, o que contribui para a geração de renda e circulação da economia na região. Ademais, esse investimento na Usina Hidrelétrica de Belo Monte trouxe visibilidade para outros problemas que a cidade já possuía, como a questão do saneamento básico, saúde e educação. Por essa lógica, diversos planos foram pensados e implementados até certo ponto. Assim, muitos dos investimentos dentro dessas áreas na cidade de Altamira ainda não puderam ser vistos de fato. E quem sofre majoritariamente nesse impasse é a população da cidade que sente mais os efeitos colaterais negativos desse “remédio” para os problemas da região e para a questão energética que era a Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
Usina Hidrelétrica de Belo Monte - Altamira (PA)
Brumadinho
Lama de rejeitos da barragem do Córrego do Feijão, da mineradora Vale, em Brumadinho (MG)
A caracterização como bem ambiental advém da especial função exercida pelo mesmo em um cenário coletivo de implicações, segundo o doutor em Direito Público, Marcelo Kokke. Nesse sentido, bacias hidrográficas, florestas, estuários, recifes de corais, bem como diversos outros lugares que pulsam vida são nossos bens ambientais e devem ser cuidados com muito zelo. Infelizmente, no entanto, em dois casos recentes no Brasil, o caso de Mariana e o de Brumadinho, dois ecossistemas sofreram danos seríssimos, que são sentidos desde os níveis mais baixos da cadeia alimentar, como os fitoplânctons presentes nos rios, até o ser humano.
De fato, existem diversas legislações que podem ser aplicadas nesse âmbito, como a Política Nacional de Segurança de Barragens, que é a Lei nº 12.334/2010 e a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), que é a Lei nº 6.938/1981, por exemplo, ou até mesmo a Política Nacional dos Recursos Hídricos, a Lei N° 9433/1997. Por essa lógica, questionar a efetividade dessas leis também é um caminho e uma forma de tentar resolver o problema. Contudo, não é possível retirar a responsabilidade das empresas que realizavam a gestão daquelas barragens, uma vez que cabia àquelas a manutenção e monitoramento dessas.
Na época e até hoje, são sentidos os efeitos negativos desses “acidentes” que claramente poderiam ter sido evitados. Os efeitos perpassam os componentes biótipos e contaminam o solo e as águas dos rios com seus resíduos que se estendem até o mar, impactando a vida dos ecossistemas fluviais, marinhos, mas também os terrestre próximos aos leitos dos rios – e, consequentemente, a vida em áreas não próximas ao acidente – além de sensibilizar física e psicologicamente os seres humanos que viviam ali em volta. O microclima regional também foi gravemente ferido devido às alterações de trocas entre o solo e água, o que, por conseguinte, provoca alteração nos fluxos migratórios e nos ciclos de vida da região. Certamente, os impactos dessas tragédias são sentidos desde o âmbito local, até o modo como o Brasil é visto mundialmente, ou seja, um país que já foi reconhecido como forte influenciador ambiental, que hoje perdeu esse protagonismo.
Outrossim, precisamos falar sim sobre os danos psicológicos dos sobreviventes. Os moradores da cidade sofreram ao perder suas casas, seus familiares e amigos nessa tragédia. No entanto, parece que o apoio psicológico acabou ficando em segundo plano. Uma vez que todas essas pessoas perderam seus lugares de lazer, tiveram seu mercado imobiliário completamente desvalorizado, sua renda familiar diminuída, além de diversos outros fatores, o apoio e solidariedade do governo de contribuir com ferramentas de como lidar com tais mudanças é totalmente negligenciado e esquecido, ainda que as pessoas lutem e tenham esperanças de que tudo vai melhorar, esse acompanhamento de perto com as vítimas teria diminuído alguns efeitos colaterais nessa catástrofe imensurável.
Destarte, à medida que o rio foi assoreado pelos rejeitos e ficando mais raso, o ser humano demonstra seu desinteresse com o meio ambiente e sua futilidade aflora. E essa negligência para com a natureza fica clara quando temos milhões de hectares queimados, quando temos rios contaminados com metais pesados, quando temos pessoas desrespeitosas que atiram inconsequentemente um lixo na avenida movimentada de suas cidades. O câncer começa com uma célula e espalha-se pelo corpo tão rapidamente quanto podemos perceber. Assim é o descuidado para com o meio ambiente.
Região da cidade de Brumadinho após rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão
Se, por um lado, Brumadinho contaminou os rios e comprometeu a rica biodiversidade daquela região, Belo Monte desmatou muitos quilômetros de floresta nativa para ser construída. A verdade é que mesmo os modos sustentáveis de energia trazem problemas e isso é fato. Para todo lado bom, há um lado ruim e vice-versa. Contudo, Belo Monte mostrou-se como uma obra mal planejada, ou planejada às pressas se preferir… Mais como um jogo político do que de fato algo que fosse agregar à população brasileira e daquela região. A hidrelétrica possui uma capacidade de geração de energia enorme, mas que, se distribuída aos estados de maior densidade populacional (principalmente no sudeste e nordeste), será perdida no meio do caminho. Belo Monte é hoje um alerta sobre a necessidade urgente de avaliar e planejar adequadamente projetos de megainfraestrutura na Amazônia.
Brumadinho, por sua vez, trouxe consequências que ficarão enraizadas, não só no território brasileiro, mas no mundo todo. Segundo estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que analisou impactos na saúde após rompimento da barragem de Brumadinho, existe agora o risco de surtos de dengue, febre amarela, esquistossomose e leptospirose. Isso ocorre visto que muitos dos peixes que eram responsáveis por alimentar-se dos vetores dessas doenças morreram devido aos metais pesados da água, provocando um desequilíbrio ecológico gigantesco.
Entender que Brumadinho não foi um acidente é essencial. Foi descuido por parte da Vale, por uma inspeção frouxa e desrespeito à população. No entanto, também é necessário abrir os olhos ao desastre disfarçado de prosperidade que foi Belo Monte, que impactou milhares de vidas naquela região do Xingu. O Brasil pede tempo, não consegue respirar.
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